Memorando para a mídia

 

Como repórteres, jornalistas e editores, a integridade, a precisão e a honestidade das suas reportagens são essenciais para moldar a compreensão das pessoas sobre nossa realidade. Precisão e reportagens éticas não são sinônimos de “objetividade” ou “neutralidade”, que são prejudiciais em conflitos desequilibrados e outras situações com injustiça e dinâmicas de poder nocivas.

Portanto, ao comunicar e informar sobre a Palestina, é muito importante:

1. Contextualizar sua reportagem

A violência nunca acontece no vácuo. Israel é um regime colonial que pratica o apartheid. Os acontecimentos específicos não podem ser desconectados das práticas e políticas diárias de Israel, que mantêm ativamente essa subjugação e domínio sobre o povo palestino há mais de sete décadas. Ao fazer sua reportagem, use esta estrutura e contexto

2. Não use a voz passiva

A utilização da voz passiva para descrever fatos sem afirmar claramente quem é o agente e o perpetrador encobre continuamente os ataques, a responsabilidade de Israel e perpetua a sua impunidade. Também passa um retrato enganoso dos acontecimentos.

3. Não desumanize as vidas palestinas

Entre os palestinos brutalmente assassinados pelas forças israelenses (mais de 1500 desde outubro de 2023), muito poucos foram divulgados e nomeados. Suas histórias não foram compartilhadas, nem suas famílias e pessoas próximas foram retratadas. Isso leva a um ciclo consistente em que as vidas palestinas são tratadas como meros números e a sua morte, prisão, tortura, ferimentos e traumas são banalizados.

4. Evite usar terminologias enganosas e imprecisas

O uso de termos como “choques”, “confrontos” ou “motins” entre “dois lados” alimenta a falsa narrativa de que trata-se de uma guerra ou conflito entre duas partes iguais. Isso apaga o contexto do extremo desequilíbrio de poder e cria uma falsa equivalência muito distante da realidade.

5. Impeça a presunção imediata de culpa dos palestinos

Décadas de deslegitimação dos meios de comunicação social e de criminalização das vozes palestinas levaram a um ciclo vicioso de meios de comunicação que tratam os palestinos com suspeita e presunção de má-fé. Os palestinos são quase imediatamente tratados como potenciais “militantes”, “antissemitas” ou “terroristas”. Uma pessoa que atira uma pedra é equiparada a um soldado fortemente armado. Enquanto os palestinos vivem sob a realidade de um severo sistema de violência, eles são vítimas de manipulação e são solicitados a justificar sua humanidade e a legitimidade de sua busca por direitos fundamentais.

6. Não presuma que as declarações das autoridades israelenses são verdadeiras

Embora as vozes palestinas sejam postas em dúvida, o regime de apartheid de Israel é encarado com credibilidade e confiabilidade. Isso faz parte do racismo flagrante que molda a nossa ordem mundial, em que os sistemas de supremacia ditam as narrativas dominantes. As autoridades israelenses têm um longo histórico de encobrir seus crimes de guerra e crimes contra a humanidade e usam má-fé, mentiras e desinformação para acobertar seus crimes e práticas. Não iguale a voz da vítima à de seus opressores.

7. Concentre-se em vozes e narrativas palestinas

Todas as reportagens ou entrevistas sobre a Palestina devem se concentrar nas vozes palestinas, pois são elas que vivenciam a realidade e estão mais bem posicionadas para descrevê-la. Os palestinos não devem ser convidados apenas ocasionalmente para dar “testemunhos” de suas percepções ou sentimentos. É preciso dar espaço à expertise palestina como análise de autoridade. As vozes palestinas certamente não devem ser validadas por uma voz israelense ou colocadas em oposição ao seu opressor.

8. Não coloque foco nas forças políticas como fonte de violência e não coloque a lente na “violência palestina”

Focar e insistir em informar sobre a “violência palestina” e reduzir os palestinos à identificação de forças políticas reforça a presunção de culpa e minimiza ou apaga a violência estrutural do regime israelense de ocupação militar e apartheid, ao mesmo tempo em que inverte a realidade entre opressor e oprimido. Esses ângulos reforçam a falsa narrativa de que os ataques a Gaza, Nablus ou Jenin são um confronto bilateral entre Israel e facções armadas. Além disso, evite usar termos enganosos, como Gaza “controlada pelo Hamas”. Embora o Hamas seja o partido político no poder, Israel ainda controla as fronteiras de Gaza e a circulação de pessoas e mercadorias por meio de um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo, enquanto o Egito controla a passagem de Rafah.

9. Os palestinos são um só povo

Enquadrar e descrever a realidade dos palestinos e dos acontecimentos como separados e desconectados entre as diferentes cidades de Gaza, Jerusalém, Lydd, Ramallah, campos de refugiados palestinos etc. reforça a política de Israel de fragmentar os palestinos e apagar sua identidade e pertencimento coletivo.

10. Não se deixe intimidar ou ser (auto)censurado pela vigilância pró-apartheid

Quando as reportagens sobre a Palestina são feitas de maneira precisa, ética e em sintonia com a realidade geral da ocupação, opressão e limpeza étnica dos palestinos por Israel, os vigilantes pró-apartheid estão prontos para atacar e difamar as reportagens. Os jornalistas devem resistir a ceder a essas intimidações, pois são ferramentas intencionais utilizadas para silenciar e desacreditar a cobertura verdadeira.

Os palestinos continuam a lutar para obter propriedade sobre a sua narrativa e representação da sua realidade para o mundo. As redes social ainda têm a oportunidade, como nunca tiveram, de preencher a lacuna e garantir que a Palestina deixe de ser uma exceção às reportagens precisas, justas e éticas.